O cubano Noel Remedios, 48 anos, e o brasileiro Paulo Machado, 35, começaram a morar juntos na Lapa, em Lisboa, ao fim de pouco tempo de namoro. Uma relação que sempre levantou suspeitas aos vizinhos. Quase todas as noites havia gritaria e os sons que pareciam de socos. Paulo Machado acabou esquartejado. O tribunal condenou em julho Noel Remédios a 25 anos de prisão efetiva, pena máxima em Portugal. O 24Horas acompanhou o julgamento.
Na madrugada de 11 de março de 2024 a discussão escalou. Os namorados envolveram-se em mais uma cena de violência. Durante o julgamento foi revelado, por várias testemunhas, que ambos eram consumidores de álcool e de cocaína. A páginas tantas, Noel pegou numa faca e desferiu – segundo aferido pelo tribunal – três facadas no pescoço de Luís, matando-o.
METADE DO CADÁVER NO LIXO
O cubano, quando caiu em si, ficou desesperado. Só que em vez de chamar socorro para a vítima, perto das quatro da tarde, vestiu-se, como se nada fosse, e foi até Alcântara. Numa loja de conveniência comprou dois sacos grandes de ráfia e material para pinturas.
Voltou para casa, onde jazia o dentista. Ingeriu uma grande quantidade de álcool e acabou a cortar, com uma faca de grandes dimensões – normalmente usada para cortar peixe – e a dividir o corpo ao meio.
Metade do cadáver foi depositado no lixo, na rua Maestro António António Taborda, muito perto da residência do casal. Pela rigidez cadavérica, a morte teria ocorrido há pelo menos 24 horas, quando foram encontrados os restos mortais, por funcionários da higiene urbana do município, que faziam a ronda habitual. Assustados, chamaram a polícia. A PSP contactou a PJ pelas três da manhã.
OUTRA METADE TALVEZ ESMAGADA NO CAMIÃO
Em tribunal, Miguel Gonçalves, coordenador da unidade operacional da higiene urbana de Lisboa afiança que a outra parte do corpo terá sido depositada, a cinco minutos a pé do primeiro despejo, na travessa dos Bruno. Esta parte do corpo nunca foi encontrada. Poderá ter sido esmagada. O engenheiro da CML explicou que os camiões de recolha têm uma placa que comprime o lixo.
Noel teve tempo para limpar e pintar a casa. Mesmo assim, e apesar de a casa só ter sido visitada pela PJ no dia 15, foram encontrados vestígios hemáticos da vítima. Em várias sessões no Tribunal Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, foram ouvidos ex-namorados do assassino, vizinhos, pais e amigos da vítima.
O 24Horas esteve presente em duas sessões do tribunal e assistiu a muitas lágrimas por entre discursos favoráveis tanto ao matador como à vítima. Os pais da vítima, Eliane Machado, advogada, e José Paulo Machado, procurador do Ministério Público, no Brasil, voaram para Lisboa para falarem ao tribunal. Disseram que nunca perdoariam o cubano que matou o filho.
UM EX-NAMORADO DIZ QUE AGRESSOR ERA ‘CARINHOSO’
Marco Vaz, ex-namorado de Noel ofereceu outra versão aos magistrados. “Sempre foi carinhoso comigo, atento, estava sempre preocupado se faltava alguma coisa.” Ainda assim, Marco Vaz não esconde as situações de violência entre os dois. “Como todos os casais, tínhamos discussões, mas nada de guerras”, disse, desvalorizando essas situações. Mas, logo de seguida, começou a detalhar: “Houve uma situação em que ficámos mais exaltados. Tínhamos saído e foi a única vez em que nos pegámos mais à bruta e rasgámos a roupa um do outro.”
O pai de Noel chegou a viver com o casal durante uns tempos. “Ele cuidava sempre do pai e estava sempre preocupado. Durante os dois anos de Covid vivemos com o pai e ele levava as pessoas a perder a paciência. Mas o Noel era um cuidador do pai.”
Questionado pela juíza que preside ao coletivo, Marco admitiu que o antigo companheiro bebia e consumia cocaína – esporadicamente. Multiplicou-se em elogios: “É uma pessoa com ótimo coração. Muito carinhoso comigo, com os meus amigos e a minha família.”
A seguir, questionado pelo advogado dos pais da vítima, Paulo Saragoça da Matta, o ex-namorado emendou, ligeiramente, a análise à personalidade de Noel. “Às vezes passava-se quando as coisas não corriam como ele queria. Mas era mais birras, não era de bater.”
UM PERDÃO DIRIGIDO AOS PAIS
Na terceira sessão de julgamento testemunharam os pais de Paulo Machado. Noel Remedios quis dirigir-se à mãe do namorado, assassinado e esquartejado em março de 2024. Eliana Machado, 62 anos, bastante emocionada, recusou-se a ouvir o assassino confesso do filho. O pai, José Paulo Machado, 61, por sua vez, aceitou. E virou-se para olhar, nos olhos, Noel. “Tem sido o ano mais difícil da minha vida. O senhor sabe o quanto eu amava o Paulo”, começa por dizer o assassino.
O pai do dentista, da vítima, mostrou-se prostrado. Os olhos marejaram, mas o procurador do Ministério Público brasileiro tentou não desabar e continuou a ouvir o assassino do filho. “Peço-lhe perdão. Também estou há um ano a morrer lentamente, com problemas graves, constantemente medicado 24 horas por dia”, desculpou-se Noel.
O ambiente na sala de audiências ficou tenso. A mãe de Paulo Machado, sentada a assistir ao desenrolar da sessão, após ter testemunhado, chora sem parar. O cubano continuou com José Paulo Machado sempre de olhos postos em si. “Sinto carinho pela sua família, pelo senhor, respeito, e não tenho palavras para lhe pedir perdão. Sei que é muito difícil, senão impossível, que me perdoem, mas peço de todo o coração. O senhor está consciente de quanto eu amava o Paulo”. O arguido deu ainda conta do consumo de cocaína e garantiu: “Eu nunca lhe faria mal, mas naquele dia ele destruiu a cozinha e estava muito agressivo”.
A mãe de Paulo Machado, Eliane Machado, jurista, descreve os comportamentos de Noel. “Ele ia para saunas. O meu filho falava que, para além do perigo das doenças, ele voltava todo sujo.” A mãe do dentista assassinado acusou, ainda, Noel Remedios de utilizar drogas duras. “Ele injetava drogas. Meu filho usava maconha”. Com a voz embargada, muito nervosa, conclui: “Ele foi de uma frieza, mentiroso. Ele é um mentiroso compulsivo, deve ser mantido atrás das grades. Ele é frio e cruel.”
O coletivo de juízes acredita no mesmo. “Não vemos em toda a sua atuação mais do que frieza, insensibilidade, agressividade, crueldade e egoísmo, aliados a um profundo e intensíssimo desrespeito para com a vítima”, pode ler-se no acórdão que condenou Remedios.

