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Jorge Morais

Tive esta semana de ir à Baixa de Lisboa (ninguém é perfeito) e de novo mergulhei no souk de El...

Tive esta semana de ir à Baixa de Lisboa (ninguém é perfeito) e de novo mergulhei no souk de El Jadida. Abri caminho por entre trotinetas, tuktuks, malinhas roxas e amarelas com rodas, glovos, ubereats e selfies, guias turísticos e músicos da treta, pizzerias, cupcakes e pastéis de bacalhau com queijo da serra, sempre na esperança de reencontrar a cidade íntima e cálida dos dias claros. Mas de Lisboa, da Lisboa autêntica, só a sombra.

Toda a Baixa fede. Dos respiradores do Metro vem um bafo a mijo antigo, há no ar um cheiro nauseabundo a esgotos, a podre, a chulé, a sovacos mal lavados nos airbnbs. A Praça da Figueira é hoje uma galeria escabrosa de misérias em volta de um arraial; velhos sem casa encostam a cabeça a almofadas improvisadas com sacos de plástico e exibem pés com fístulas, jovens gatunos disputam bocados miseráveis do saque. 

As mercearias, as tabernas e os cafés de tertúlia, os restaurantes baratos para o povo, tudo desapareceu, varrido pelo tsunami. Não se vende uma rosa, não se vê um jornal, não se encontra um banco onde se possa uma pessoa sentar. Tudo está concebido para passar, gastar, zarpar, veloz e indiferente, rebanho cego que tanto podia estar ali como deambular aos encontrões por Rawalpindi. 

Vivi em Lisboa grande parte da minha vida. Conheci a cidade como as minhas mãos, residi em vários dos seus bairros, amei muitos dos seus recantos mágicos, milhares de dias vi a sua luz madrugar na janela, milhares de noites perdi-me nas suas vielas. Sobre ela escrevi prosa e verso, a ela voltava saudoso sempre que partia. 

Vi-a mudar, era inevitável. Mas à mudança veio agarrada a destruição. De um dia para o outro começaram a desaparecer lojas, retrosarias, capelistas e pastelarias para nelas nascerem comércios artificiais que depressa se refazem, como trapos sem valor. Os meus bairros ficaram cada vez mais Istambul, arredores de Nairobi, arrabaldes de Bogotá. Pouco a pouco, a minha cidade deu lugar a uma topografia desconhecida, agressiva, hostil. E vieram as obras, e mais obras, e arrasa aqui para construir ali, ruas esventradas, poeira, destroços e cascalho, andaimes, camionetas e betoneiras, e veio a enxurrada do turismo que levou o que restava da cidade íntima.

Não deixei de amar a minha Lisboa. Simplesmente, ela já não está lá. De vez em quando regresso, na vaga esperança de reencontrar os seus traços de beleza sob os escombros da devastação. Arrependo-me sempre.