Há rostos que contam histórias, que são espelhos da alma e da palavra. Neles se lê a confiança, a dúvida,...
Há rostos que contam histórias, que são espelhos da alma e da palavra. Neles se lê a confiança, a dúvida, o acolhimento ou o medo. É através do rosto que a sociedade se reconhece e se relaciona. Por isso, cobrir o rosto não é apenas esconder uma feição: é suspender o diálogo humano, é apagar a identidade que permite o encontro.
Portugal, país de rosto virado para o mundo, não pode aceitar que, em nome de uma interpretação radical de uma qualquer religião, se anule o princípio da visibilidade pessoal que sustenta a convivência humana.
A burka e o niqab, mais do que tecidos, representam uma negação da presença — uma barreira erguida entre a pessoa e a comunidade. E uma sociedade livre tem o direito — e o dever — de defender os seus fundamentos.
A Constituição da República Portuguesa não é neutra: protege a dignidade humana, a igualdade entre homem e mulher e o princípio da laicidade do Estado. A nossa matriz cultural, de raiz judaico-cristã, moldou o valor do rosto como sinal de identidade e de responsabilidade.
Quando alguém se oculta totalmente, rompe-se esse pacto civilizacional que permite reconhecer o outro como igual.
Nenhum direito é absoluto e todos são relativos. Por isso mesmo o direito de liberdade religiosa não pode fazer precludir outros direitos essenciais como o da igualdade entre homens e mulheres.
Defender a proibição do uso de burka e niqab em espaços públicos não é um ato de intolerância, mas de coerência. A liberdade religiosa não pode servir de escudo para práticas que ferem a liberdade dos restantes.
Nenhuma crença pode exigir que metade da humanidade viva atrás de um véu imposto, visível ou invisível.
O rosto descoberto é símbolo de confiança e cidadania. É nele que a comunicação se cumpre — no olhar que se cruza, na palavra que se ouve, na expressão que não teme ser vista.
Portugal deve, com serenidade e firmeza, afirmar o direito de continuar a ser uma sociedade de rostos visíveis, onde a liberdade não se esconde atrás de um tecido, mas se mostra, inteira, à luz do dia.
Durante 900 anos, desde a Reconquista, temos caminhado nesse sentido. Não podemos voltar atrás.