Armando Vara perdeu o último recurso e a derradeira tentativa para evitar a cadeia. Está a semanas de voltar à cela para cumprir mais dois anos e meio de reclusão. Mas não é por isto que o antigo ministro de António Guterres e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e do BCP há de ficar na história da Justiça em Portugal.
Vara pode orgulhar-se de ter sido o primeiro português condenado pelo crime de tráfico de influência. Desde que a lei penal criminalizou esta prática, no longínquo ano de 1995, foi preciso esperar mais de 20 anos pela condenação de um arguido acusado de tal delito – e a sorte calhou a Armando Vara, sentenciado no processo ‘Face Oculta, em 2014, a cinco anos de prisão efetiva.
De nada lhe valeu reclamar para os tribunais de recurso. Até o Tribunal Constitucional lhe fechou as portas da liberdade. Não havia mais nada a fazer. Armando Vara entregou-se na cadeia de Évora a fim de cumprir a pena de cinco anos que tinha às costas. Chegou à porta da penitenciária, na tarde de 16 de janeiro de 2019, na companhia do seu advogado, Tiago Rodrigues Bastos. Recolheu à cela.
A covid-19, inesperada, aliviou-lhe o fardo. Foi libertado em outubro de 2021 graças a um perdão parcial de penas decretado pela lei da pandemia. Tinha cumprido dois anos e nove meses. Armando Vara não suplicou pelo perdão. Nada disse, nada reclamou, nada exigiu. Os serviços prisionais foram notificados da decisão do Tribunal de Execução de Penas – e, como não podia deixar de ser, o recluso foi devolvido à liberdade.
Um perdão depois de concedido não tem retorno. Não se pode exigir a quem se perdoa que devolva o perdão – é este, pelo menos, o entendimento comum. A Justiça concedeu o indulto sem que lhe tenha sido pedido e, anos depois, resolveu revogar o perdão concedido. Armando Vara vai ter de regressar ao inferno da cadeia.
Após ter sido libertado, Vara respondeu por fraude fiscal. Foi condenado. O tribunal sentenciou-o a um cúmulo jurídico de cinco anos e seis meses de cadeia relativamente aos dois processos – ao da Face Oculta e ao da fuga de capitais. A segunda condenação, na prática, acrescentou-lhe mais meio ano de prisão à pena inicial. Mas o Ministério Público, inconformado, queria mais – e recorreu para que lhe fosse retirado o perdão concedido pela lei da pandemia.
Os colendos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que apreciaram o caso concordaram em retirar-lhe o perdão. Até o Tribunal Constitucional mandou dizer que Armando Vara teria de devolver o indulto. O generoso ato de clemência, afinal, foi a brincar – contrariando os princípios da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos as decisões judiciais.
O povo tem para isto um provérbio conhecido: quem dá e tira vai para o inferno.