É obra! O advogado Rui Medeiros, de 62 anos, consegue ser sócio de um dos escritórios que mais trabalha com o Estado, ter feito parte do júri que escolheu três juízes para o Tribunal do Contas, e agora, por nomeação do governo, vai rever a lei desse mesmo Tribunal de Contas – tudo ao mesmo tempo…
Especialista em contratação pública e sócio do poderoso escritório Sérviulo & Associados, uma das sociedades que mais fatura com o Estado, Rui Medeiros acaba de ser nomeado pelo Governo para rever a lei do Tribunal de Contas (TC) – segundo anunciou o ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias. Nomear é como quem diz. O termo certo é mais contratar – e logo por ajuste direto. É que Medeiros, um dos 16 sócios principais de um dos mais influentes escritórios de advocacia do nosso país, com certeza que não trabalha por amor à arte…

O advogado Rui Medeiros, o homem
escolhido pelo Governo para rever a lei
e escolher os juízes do Tribunal de Contas
O objetivo do Governo é “reformar” e “modernizar” a administração pública. No caso do Tribunal de Contas, a reforma e a modernização consistem em limitar os poderes da instituição que zela pela clareza na aplicação dos dinheiros públicos – nomeadamente, reduzir a sua intervenção no controlo prévio dos contratos públicos e nos gastos do Estado.
O ministro Gonçalo Matias queixa-se, em nome do Governo, da demora do TC em proceder ao visto prévio nos processos da contratação pública. Quer mais agilidade. A presidente do Tribunal, Filipa Calvão, recorda que o prazo legal para o visto prévio são 30 dias – e que o TC decide, em média, no tempo de 12. Alguns processos arrastam-se para lá dos prazos. Mas isso é nos casos em que os contratos chegam ao Tribunal feitos às três pancadas e os juízes mandam tudo de volta com pedidos de esclarecimento.
O governo volta, assim, a recuperar uma frase de Cavaco Silva proferida em 1993. O então primeiro-ministro queixava-se das “forças de bloqueio” que o impediam de governar: “Deixem-me trabalhar”, dizia Cavaco perante as muitas dúvidas que o Tribunal de Contas, na altura presidido por Sousa Franco, colocava sobre as inúmeras contratações públicas. O TC era uma “força de bloqueio” – como parece que volta a ser para Luís Montenegro. Solução: retiram-se-lhe poderes.
Rui Medeiros é a pessoa certa para a mudança. Além de ter feito parte do júri, por indicação do Governo, que no início deste ano escolheu três novos juízes para o Tribunal de Contas, é especialista em contratação pública, um especialista portanto.
A contratação de Medeiros, tanto para escolher juízes, como para rever a lei do Tribunal de Contas é, segundo uma fonte judicial contactada pelo 24Horas, inexplicável: “É como pôr a raposa a guardar o galinheiro”, referem, sublinhando o facto deste especialista em contratação pública pertencer a uma das maiores sociedades de advogados em Portugal e uma das que mais faturam com a prestação de serviços ao Estado, na maior parte das vezes por ajuste direto.
Só em 2023, de acordo com os dados do portal Base.gov., a Sérvulo & Associados arrecadou cerca de um milhão de euros em contratos — quase todos por ajuste direto, sem concurso público, claro.
Bem situada no coração do Chiado, a Sérvulo deve o seu nome ao fundador, José Manuel Sérvulo Correia, antigo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especialista em Direito Público e em Contencioso e Arbitragem. O escritório tem sido nos últimos 25 anos, esteja o PS ou o PSD no poder, um dos mais requisitados por sucessivos governos para a produção de leis.
Nestas sociedades de advogados, verdadeiros centros de negócios, desaguam diariamente milhares de entidades privadas à procura das melhores formas de fugir aos impostos, a que chamam ‘planeamento fiscal’. Influenciam os órgãos reguladores das atividades económicas e pressionam o poder – e fazem-no apenas com um único sentido estratégico: ganhar dinheiro.
Muitos dos juristas ao serviço destes escritórios não são advogados, mas consultores – estatuto que quase os equipara a lobistas ou a facilitadores. Nem sequer são reconhecidos pelos méritos jurídicos. Têm influência. Vieram da política com uma recheada carteira de contactos. Abrem portas e facilitam negócios. O exemplo mais conhecido desta atividade é Luís Marques Mendes, hoje candidato à Presidência da República, e um verdadeiro ‘às’ nesta chamada ‘advocacia de negócios’…