A recente “proposta de paz” para a Ucrânia apresentada por Donald Trump ao presidente ucraniano não merece ser tratada como...
A recente “proposta de paz” para a Ucrânia apresentada por Donald Trump ao presidente ucraniano não merece ser tratada como genuína oferta de reconciliação, mas antes como um plano de capitulação da Ucrânia. Tal como têm sublinhado críticos credíveis, o documento — conhecido como o plano de 28 pontos — impõe à Ucrânia concessões drásticas: a cedência de território (inclusive de áreas não conquistadas pelos russos no terreno), o desarmamento parcial, e a recusa da adesão à NATO.
Isto não é propriamente um “plano de paz”, mas sim a formalização da rendição da Ucrânia perante a invasão russa.
São assim acolhidas e propostas pela administração norte-americana as pretensões da Rússia.
Ao propor reconhecer no papel mudanças territoriais e limitar a soberania ucraniana, os americanos não só se afastam das suas próprias responsabilidades de garantes da paz e segurança da Europa como igualmente repudiam mais de três anos de esforço heroico de um povo que lutou bravamente pela sua nação.
Passa a valer na Europa a Lei do Mais Forte. Um novo quadro geopolítico que destrói a ordem definida pelo pós-Guerra e a substitui pelo possível caos de todos os irredentismos, a partir de agora reconstituídos como legítimos, e cuja materialização apenas dependerá da força e vontade de cada um.
É igualmente um golpe na NATO e na sua capacidade de dissuasão, assente no empenhamento visível e credível da sua principal potência em defender qualquer um dos seus aliados.
Ao aceitar-se a proibição ou a limitação a presença de tropas da NATO na Ucrânia, esta deixa de ter quaisquer garantias de segurança, transferindo para a Ucrânia o ónus maior da paz, consubstanciado na sua mutilação territorial e na imposta limitação da sua soberania.
Finalmente, a Europa foi ignorada — ou colocada de lado — nesta iniciativa. A voz dos aliados europeus não parece ter sido integrada na génese do plano e, conforme analistas, o documento reduz o papel europeu ao de mero espectador. O que significa que a Europa verá a sua soberania estratégica e o seu papel geopolítico marginalizado: a paz para a Ucrânia transforma-se numa negociação entre EUA e Rússia, com a Europa à espera, à porta.
O que deve fazer então a Europa?
Em primeiro lugar, ser coerente com as suas proclamações. Porque de nada servirá reafirmar que a paz digna da Ucrânia deverá passar pela plena soberania, integridade territorial e respectiva capacidade de defesa, se as suas principais potências militares e económicas não estiverem disponíveis para continuar (e reforçar) a sua assistência militar e financeira, inclusive com a possibilidade de apoio directo no terreno.
Em segundo lugar, a Europa deve construir um mecanismo autónomo de segurança e defesa em relação ao flanco oriental: a União Europeia terá de reforçar as suas instituições, intensificar a cooperação militar dos seus membros, formalizando-se também numa aliança militar defensiva e não esperar apenas pelos EUA.
Em terceiro lugar, a Europa deve falar claro e defender também diplomaticamente a Ucrânia, rejeitando desde já os termos que lhe foram impostos.
Porque se a União Europeia e os seus Estados-membros aceitarem ficar à margem enquanto outras potências redesenham o mapa da Europa, estarão a comprometer não só a Ucrânia, mas a própria segurança europeia.
A Europa deve recuperar a iniciativa — antes que perca de vez.
Porque a Paz não será legítima se for sinónimo de rendição.
Quo vadis, Europa?