Perante as torrentes de neófitos que pretendem apoderar-se do 25 de Novembro, torcê-lo a seu gosto, ignorá-lo ou reduzi-lo a...
Perante as torrentes de neófitos que pretendem apoderar-se do 25 de Novembro, torcê-lo a seu gosto, ignorá-lo ou reduzi-lo a um mero exercício de blindados, permitam-me contar.
A escarlatina pseudo-revolucionária do PREC foi o ruído de fundo que permitiu ao Departamento Internacional do Partido Comunista da União Soviética preparar em sossego a proclamação da independência de Angola, que aconteceu em 11 de Novembro de 1975. Enquanto a RTP se distraía a ouvir os militares barbudos das “Campanhas de Dinamização Cultural”, em Luanda os três magnatas (Estados Unidos, União Soviética e República Chinesa) lutavam pelo maior armazém mundial de matérias-primas e pelo mercado de consumo mais promissor dessa época.
Consumada a independência de Angola, o Partido Comunista Português desinteressou-se da turbulência da “rua”, dominada pelo folclore desgrenhado da extrema-esquerda, e deu mesmo sinal de que ansiava também pelo regresso a alguma normalidade formal. Foi assim que, quando a ala radical do MFA se dispunha a avançar para as barricadas, o PCP a deixou a falar sozinha, salvando a pele ao soar do último gongo.
Faltava “apenas” selar e chancelar com um ato militar terminal a derrota daquela amálgama gelatinosa em que esbracejavam Otelo, Duran Clemente, Varela Gomes e outros exaltados da vida. Esse ato militar foi realizado em 25 de Novembro, duas semanas depois de em Luanda ter sido arriada a bandeira portuguesa.
O 25 de Novembro foi executado por Jaime Neves, sob o comando de Ramalho Eanes, com envolvimento direto de muitos outros militares – Alípio Tomé Pinto, Vasco Lourenço, Gomes Mota, num rol de algumas dezenas.
Os membros do chamado “Grupo dos Nove”, liderados por Melo Antunes, tiveram um papel fulcral na preparação do ambiente favorável nas Forças Armadas e na coadjuvação às operações militares.
Mas também os civis, geralmente esquecidos, participaram ativamente na preparação do 25 de Novembro.
Os agricultores da CAP, liderados por José Manuel Casqueiro, inspirados por Rosado Fernandes e articulados com membros do Conselho da Revolução (com destaque para Victor Alves), deram o sinal de arranque cortando a Estrada Nacional 1 em Rio Maior.
A Imprensa não-estatizada cumpriu também a sua parte, antes, durante e depois do 25 de Novembro: o ‘Jornal Novo’ surgiu em Abril desse ano, financiado pela CIP; ‘O Jornal’ e o ‘Tempo’ nasceram em Maio; ‘A Luta’ (dos antigos jornalistas do ‘República’) apareceu em Agosto. Todos eles, em conjunto com o ‘Expresso’ (que já vinha da Ala Liberal de 1973), alimentaram um fogo de barragem que muito contribuiu para a vitória das forças de Eanes e Jaime Neves.
No meio partidário, destacou-se praticamente isolado o Partido Socialista. Mário Soares manteve comunicação permanente com o “Grupo dos Nove”, com os membros moderados do Conselho da Revolução, com o Patriarcado, com as centrais patronais e com as Redações da Imprensa livre, sobretudo a partir de Agosto. Quando se chegou a Novembro, a cumplicidade era tal que Ramalho Eanes mandou entregar ao PS um lote de armas para o caso de ser necessária uma intervenção de retaguarda. Entre os políticos socialistas que então estiveram na primeira linha de contacto com os militares do 25 de Novembro destacaram-se Manuel Alegre e António Campos. Entre os operacionais do PS de primeira linha, recordo Edmundo Pedro, Fernando Oneto e Palma Inácio – tendo atrás de si toda a máquina nacional do PS mobilizada por Soares. Quem quer apagar o então secretário-geral socialista deste retrato engana-se redondamente: Soares não só esteve no âmago do 25 de Novembro como se deslocou nas vésperas para a cidade do Porto, combinadamente com os militares, ligando-se ali a Pires Veloso para preparar a resistência a partir do Norte, se fosse necessário.
Do PSD pouco se ouviu por esses dias. Teria, certamente, canais de contacto com os militares do “Grupo dos Nove”, mas os seus dirigentes chegaram assumidamente aos acontecimentos no dia 26 de Novembro. E o CDS, que agora se faz protagonista das comemorações da data, dividiu-se em 1975 em duas grandes tendências: uma estava fechada a sete chaves no Largo do Caldas; a outra exilou-se pacatamente no Hotel Zurbarán, em Badajoz, fumando ‘puros’ e “conspirando” ao telefone.
Não ouvi dizer. Não me contaram. Estive lá e sei.