Finalmente a velha Maçonaria do Grande Oriente Lusitano vai iniciar umas senhoras — poucas, porque a tradição não gosta de...
Finalmente a velha Maçonaria do Grande Oriente Lusitano vai iniciar umas senhoras — poucas, porque a tradição não gosta de multidões femininas — numa das suas Respeitáveis Lojas. Neste caso, a R.L. Delta, nome tão carregado de simbologia que, se eu fosse um Jodorowsky em saldo ou um Vilhena ressuscitado de mau-humor, já fazia tudo para não me rir, licencioso: “A primeira é a Delta, depois havia de ser as Montanhas…”, diria distraído, como esses que conhecem bem os rituais, mas tropeçam sempre na ironia.
Em Portugal há muitas Obediências e Grandes Orientes, essa espécie de federação de lojas que se levam muito a sério, que aceitam há décadas as chamadas lojas “mistas”. O termo é de uma infelicidade épica: soa a tosta-mista pedida num café apressado, com fiambre sem vocação e queijo em crise de identidade. Quando a espiritualidade começa a cheirar a snack-bar, talvez seja altura de rever a carta.
Dizem os livros, com voz grave e respeitável, que tradicionalmente somente os homens podem tornar-se maçons, porque tudo começou em antigas guildas de pedreiros, esses senhores da pedra e da argamassa. O argumento é comovente: como no século XIV eram homens, em 2025 continua tudo igual, como se a Humanidade fosse um regulamento em latim colado na parede. A regra passou de mão em mão, como loiça herdada, até se transformar num dogma tão rígido que nem uma chave de fenda o solta.
O curioso é que, desde que a Maçonaria se tornou “especulativa” — isto é, deixou de assentar pedras e passou a assentar ideias — a ferramenta central é o cérebro. Se a obra é mental, excluir metade da espécie é como abrir academia de filosofia e proibir quem lê livros com óculos. Mesmo assim, o Machismo Retrógrado ganhou a batalha, e as grandes obediências, incluindo as duas maiores portuguesas, continuaram firmes, de falo em punho metafórico, como se a dignidade dos rituais dependesse da ausência de voz feminina na assembleia.
Havia uma alternativa mais honesta: assumir um Machismo Progressista, com calendário de caducidade, avental unissexo e cláusula clara a dizer “estamos atrasados, mas sabemos”. Era pouco, mas era qualquer coisa. Em vez disso, optou-se pela versão clássica, com cheiro a papel antigo, e só agora aparecem duas ou três senhoras a entrarem pela porta, recebidas como se fossem pioneiras numa selva que elas já conhecem melhor do que muitos irmãos de compasso ao peito.
Lamento, portanto, que a iniciação de duas ou três mulheres seja notícia e motivo de aplauso. Se me chamasse Sara, Ana ou Maria, mandava-lhes uns abraços sinceros e saía de mansinho, sem ficar para o brinde de honra. Há conquistas que chegam tão fora de prazo que arriscam parecer esmolas cerimoniosas. Uma coisa é abrir portas; outra é destrancar a arrecadação, avisar as televisões e fingir que se inventa o futuro.
E o mais irónico de tudo é que, após tanto segredo, tanto símbolo e tantas palavras sussurradas em tom grave, a verdadeira subversão talvez seja apenas esta frase, dita à porta do templo, por uma dessas senhoras de avental novo: “Chegaram tarde, irmãos. Nós já estávamos à vossa frente há muito tempo.” Nesse dia, se houver justiça poética, o compasso há-de aprender a medir vergonha.