É francesa, jornalista, filha do revolucionário e filósofo comunista Régis Debray: saiba porque lhe chamam, em Espanha, “a quinta Infanta”.
Quando, há cerca de quatro anos, começou a colaborar com Juan Carlos na organização das suas memórias, ninguém conseguiria adivinhar que Laurence Debray se iria tornar numa autêntica confidente e amiga íntima do Rei emérito. Numa altura em que chega às livrarias ‘Reconciliação’, o livro com a história da vida de Juan Carlos relatada pelo próprio, Espanha parece ter acordado para a inesperada biógrafa que este escolheu.

Laurence Debray tem 49 anos e é filha de um autêntico ícone do pensamento revolucionário e do ativismo de esquerda dos anos 60 do século passado. O seu pai, Régis Debray, nasceu no seio de uma família burguesa endinheirada, mas optou pela rebeldia e inconformismo: foi amigo de Fidel Castro e seguidor de Che Guevara, que acompanhou na guerrilha na Bolívia, onde foi preso em 1967, ano da sua obra doutrinalmente marcante ‘A Revolução na Revolução”, inspiradora, por exemplo, da luta armada da juventude brasileira contra a ditadura militar. Não é de estranhar que a biógrafa de Juan Carlos tenha passado uma parte da sua infância em Cuba na companhia dos seus pais.
Já em França, estudou História e Literatura, na Sorbonne, e desenvolveu um interesse pela transição democrática espanhola, tendo escrito diversos livros sobre a época e os seus protagonistas.
O livro, acabado de ser publicado e um dos lançamentos mais aguardados de 2025 em Espanha, percorre o percurso de vida de Juan Carlos desde a sua infância em Roma, adolescência no Estoril, a tragédia da morte acidental do seu irmão com uma arma disparada por si, a chegada ao trono espanhol, nos difíceis anos 70 do século passado, e prossegue até à sua partida, em desgraça, para o exílio em Abu Dhabi.
Aos 86 anos, o Rei emérito de Espanha vai contra o conselho que recebeu do seu pai, que lhe dizia que “os Reis não fazem confidências” e com estas suas memórias procura, aparentemente, recuperar a sua boa imagem, algo que até o título escolhido – ‘Reconciliação – e uma frase que assina no prólogo (“Tenho a sensação de que me roubaram a minha própria história”) indiciam.
Ao longo de cerca de 500 páginas, o Rei e a sua biógrafa revelam a relação com Franco (“ele não tinha filhos: talvez tenha projetado sobre mim um sentimento paternal”), com Filipe VI, o seu filho e atual Rei (“virou-me as costas pelo sentido do dever”), Fidel Castro, com quem tinha nas suas palavras uma relação “quase familiar” (“mandava-me todos os anos uma boa caixa de “puros”, até quando deixei de fumar (…) emocionava-me sempre”) e até pormenores deliciosos de momentos históricos como o discurso aos espanhóis na noite da tentativa de golpe encabeçada por Tejero Molina (“montaram, de urgência, um estúdio no meu gabinete e vesti a jaqueta de General, mas não as calças para que fosse mais rápido”).
Laurence Debray tem uma admiração por Juan Carlos desde que era uma adolescente, como revela na sua autobiografia, ‘Filha de Revolucionários’, e, em Espanha, há quem lhe chame “a quinta infanta” (depois das infantas Elena e Cristina, da infanta Margarita, irmã do rei Juan Carlos e da infanta Sofia, filha mais nova dos reis Felipe VI e Letizia), por se ter tornado uma espécie de “filha postiça” do rei emérito.
A autora tornou-se uma “contrarrevolucionária”, por ter sentido que, no seu crescimento, foi preterida pelos pais em nome das suas próprias militâncias e ironiza com o facto da filha de um revolucionário ser biógrafa de um rei: “O meu pai e eu defendíamos cada um o seu tipo de monarquia”, numa referência subtil ao estilo majestático de François Mitterrand, de quem Régis Debray foi assessor.
Laurence era nora de Jean-Jacques Servan-Schreiber, fundador do L´Express e efémero Ministro da Reforma do Estado, cargo que ocupou durante 12 dias num governo em que Jacques Chirac era primeiro-ministro.