José Paulo Fafe*
Num almoço tido a 30 de Julho, uma quinta-feira, no restaurante Pabe (onde é que haveria de ser?) naquela que ainda hoje é conhecida como ‘a mesa do dr. Balsemão’, Nuno Vasconcellos faz ao seu padrinho, entre a entrada e o prato principal, uma oferta aparentemente irrecusável, especialmente para quem, como Balsemão, já estava a ver a vida a andar para trás, tal o ‘tamanho’ da dívida da Impresa, que já rondaria uns incomportáveis 250 milhões de euros: “Tio” – disparou Nuno – “quero ajudá-lo, tenho aqui a solução para o grupo”.
A proposta de Nuno era simples: fazer um aumento de capital, pelo qual a Ongoing passaria a sua participação de 18 para 50 por cento, colocando para isso, de imediato, 50 milhões de euros que iriam permitir negociar com a banca, limpar as dívidas e fazer alguns investimentos. E mais: Nuno estava disposto a ajudar Balsemão a financiar os outros 50 por cento, através de um empréstimo de 20 milhões ao seu padrinho. E sabendo que a última coisa que Balsemão quereria era perder o controlo do grupo, Nuno avançou com a solução prática: “Eu nomeio 5 administradores, o tio outros tantos, e a presidência fica para si enquanto for vivo, ou seja, na prática, em caso de empate, o tio é quem decide. Mais, o tio fica com a área dos conteúdos, que eu sei que é uma área de que gosta, é sua!”.
À partida, a proposta de Vasconcellos era tentadora. De uma assentada, Balsemão resolvia o problema da dívida bancária, tinha dinheiro para fazer alguns investimentos, e ainda por cima, com o chamado ‘voto de Minerva’ que o afilhado estava disposto a ceder-lhe, não perdia na prática o controlo do grupo – isto já sem falar da área dos conteúdos onde poderia continuar a meter prego e estopa, coisa que sempre fez com indisfarçável apetite. Mas desconfiado como sempre, Balsemão levantou logo um óbice, mais em jeito de lamento do que qualquer outra coisa: “Mas Nuno, eu não tenho dinheiro para te pagar esses 20 milhões…”.
Quem conhece Nuno Vasconcellos, sabe bem que isso não era coisa que impedisse o negócio. A solução surgiu logo de imediato: “O tio não tem prazo para me pagar, nem juros, nem nada, tem até morrer para fazê-lo, e se não o fizer até lá, olhe, aí a dívida transforma-se em ações que ficam para mim, o que acha?”. Balsemão não disse que sim, nem que não, ficou de pensar e dar uma resposta daí a uns dias.
Nuno Vasconcellos já tinha pensado mesmo nos nomes que iriam dirigir o grupo: o tio seria o ‘chairman, ele o CEO, coadjuvado por dois pesos-pesados do meio – Pedro Norton, o braço-direito de Balsemão, que ficaria com a área da Imprensa (Expresso, Visão, e outras publicações que o grupo detinha), e José Eduardo Moniz, que iria contratar à TVI, com a área dos audiovisuais. Como de forreta, Balsemão sempre teve a fama e o proveito, lá surgiu outro e previsível lamento: “Mas Nuno, eu não tenho dinheiro para ir buscar o Moniz, ele é muito caro…”.
Como sempre, Nuno tinha a resposta: “Custa 4 milhões, é verdade. Mas não tem problema, eu vou buscá-lo e fica um ativo meu, de acordo, tio?”. Balsemão queria saber então dos filhos, que papel Nuno reservaria a Francisco Maria e a Francisco Pedro, este, aliás, com quem Nuno sempre mantivera uma excelente relação, a ponto de o ter levado mesmo para trabalhar consigo na Heidrick & Strugles, no futuro da Impresa. A resposta não se fez esperar: “A que o tio quiser, se quiser mantê-los na administração, não tenho qualquer objeção a isso. O tio terá direito a cinco lugares na administração, fará certamente o que muito bem entender com esses lugares”.
Nuno Vasconcellos estava convencido de que o ‘tio Francisco’ não tinha outra hipótese senão aceitar a sua proposta. E em jeito de ‘é pegar ou largar’, jogou uma cartada que, vista 16 anos mais tarde, muitos admitem ter sido precipitada, até porque Balsemão, acossado, desconfiado, e com os cofres vazios, entendeu logo como uma ameaça: “Se não quiser, eu avanço para a Media Capital, tenho um pré-acordo com eles”.
Quando minutos mais tarde se despediram à porta do Pabe, Balsemão garantiu ao afilhado que mais dia, menos dia, lhe daria uma resposta. E cumpriu… Só que essa resposta, em vez de ser de viva-voz, ou através de uma carta, veio em forma de notícia de primeira página da edição do Expresso que saiu para as bancas um dia e meio depois, na manhã de sábado: “Ongoing negoceia entrada na TVI”, rezava o semanário então ainda da Rua Duque de Palmela. Uma notícia que contava tim-tim por tim-tim tudo o que Nuno Vasconcelos confidenciara a Balsemão sobre uma hipotética entrada na Media Capital, revelando mesmo que Vasconcellos possuía já um acordo com Moniz…
A resposta, que é como quem diz, a resposta formal, essa, só surgiu semana e meia depois, a 10 de Agosto, quando Balsemão ligou ao afilhado, informando-o que “se não ficou claro, é só para dizer-te que eu não aceito a tua proposta”. Como se Nuno Vasconcellos não o tivesse já percebido ao ler a notícia que, em jeito de vingança, o seu padrinho tinha colocado no Expresso: “Ok tio, sem problema”, respondeu-lhe.
P.S. – A partir daí, fruto da faceta vingativa e algo rancorosa que muitos atribuem a Balsemão, os negócios na área de media de Vasconcellos nunca mais tiveram sossego. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), então presidida por José Azeredo Lopes, a quem Balsemão não poupa elogios e encómios nas suas memórias, apressou-se (coisa pouco habitual por aquelas paragens…) a dar razão à queixa apresentada pela Impresa para impedir a Ongoing de ser ao mesmo tempo acionista da SIC e da TVI, e levar assim, também, Nuno a renunciar à administração do grupo Balsemão. O resto da história, essa, é por demais conhecida…
* Antigo jornalista, CEO do 24 Horas