Prometia ser um título de transporte inovador e promover uma mobilidade mais acessível e sustentável em Portugal. No entanto, o passe ferroviário verde, que entrou em vigor há um ano e rapidamente levou a uma corrida às bilheteiras para a adesão à medida, não trouxe só benefícios. Os passageiros queixam-se da dificuldade em viajar nos comboios Intercidades, devido à grande afluência que faz com que os bilhetes esgotem em pouco tempo. Por outro lado, os Regionais, que não obrigam à marcação de lugar, passaram a estar quase lotados.
Com o passe ferroviário verde, os residentes em Portugal podem andar em qualquer comboio Regional, InterRegional e Intercidades (em 2ª classe) por 20 euros por mês. Com este preço, viajar durante 30 dias torna-se mais barato do que fazer uma simples viagem de ida e de volta para a maioria das cidades portuguesas. Por exemplo, uma viagem de ida e volta de Lisboa ao Porto custa 54,80 euros. Quem tem o passe ferroviário verde pode fazer a mesma viagem durante 30 dias por apenas 20 euros.

Milhares de pessoas aderiram à medida e agora é cada vez mais difícil garantir bilhetes para viajar. O 24Horas foi até à Estação do Oriente ouvir os passageiros e encontrou uma jovem, Flávia, que revela que desde a implantação da medida tem “sido um bocado complicado” viajar em comboios Intercidades. “Tem-se notado uma grande afluência nos Intercidades. Deste modo, as pessoas têm de apanhar os Regionais ou outras alternativas como, por exemplo, ir de primeira classe, que fica muito mais dispendioso, uma vez que não dá para usar os cartões nesses lugares”, referiu.
A passageira conta ao 24Horas que antes da medida “era muito mais fácil” conseguir um bilhete e considera que o passe ferroviário verde dificultou a vida a quem viaja de comboio.
Junto à linha de comboio, o 24Horas encontra Juliana que espera pelo próximo Intercidades. A jovem conta que reservar bilhetes tem-se revelado um “problema” e confirma que andar de comboio é quase impossível com o passe ferroviário verde: “É um stresse e algo preocupante.”
As respostas são praticamente as mesmas quando falamos com outro jovem, que revela que “é impossível” viajar em Intercidades às sextas-feiras e aos domingos, dias em que há mais pessoas a viajar: “24 horas antes, que é quando podemos comprar o bilhete, já está tudo esgotado.”
O estudante assume que, em alternativa, tem optado por regressar a Lisboa, vindo do Porto, só na segunda-feira de manhã.
Na Estação de Santa Apolónia, as respostas dos passageiros não são muito diferentes e há até quem descreva a situação como “dramática”.
Isabel Ferraz, uma estudante de 22 anos natural do Porto, acaba de chegar a Lisboa num comboio Intercidades e conta que opta pelo meio de transporte porque com o passe ferroviário verde “fica muito mais barato”. No entanto, assume que tem dificuldade em conseguir reservar o lugar: “Chega a um ponto tão dramático que eu no sábado tenho de colocar um alarme para conseguir ter um bilhete 24 horas antes.”
A passageira refere que com o passe ferroviário verde o “número de utilizadores é extraordinariamente alto”, mas que isso não levou ao aumento do número de comboios e que assim não é possível “suprir a procura”. Desta forma, quando não consegue marcar lugar Isabel opta por viajar noutro dia, se a agenda o permitir, ou, então, de autocarro.
Encontrámos outra estudante que falou com o 24Horas enquanto esperava por um Uber, que a levaria ao destino final após uma viagem de comboio. Inês tem 22 anos, é do Entroncamento e estuda em Lisboa. Revela que sempre fez as viagens entre a terra natal e a capital do país de comboio, mas que com o passe ferroviário verde começou a ter uma ligeira dificuldade em reservar bilhete nos Intercidades, sobretudo em dias e horas específicos.
Assim, opta por não viajar às sextas-feiras à tarde e em horas que já identificou como mais críticas e conta que, por vezes, 24 horas antes da partida do comboio este “já está completamente cheio”.
Teresa tem 27 anos, trabalha em Lisboa e vive em Santarém. Fala com o 24Horas enquanto espera pela chegada de um comboio InterRegional que a levará de volta a casa. Conta que prefere este tipo de comboio porque não tem “necessidade de reservar lugar” e também porque consegue chegar mais cedo a casa.
Quando questionada sobre o porquê de não viajar no Intercidades que parte de Santa Apolónia às 17:30, em vez de ir no InterRegional das 17:15, Teresa assume que teria que reservar lugar e que é “praticamente impossível reservar no próprio dia”.
Stephani Joaquim chega a Lisboa num comboio Intercidades e conta que viaja diariamente entre o Entroncamento, onde mora, e Vila Franca de Xira, cidade onde trabalha. Assume que nem sempre viajou de comboio, mas reconhece que com a elevada afluência dos passageiros depois da implementação do passe ferroviário verde passou a ser “muito difícil” marcar lugar num Intercidades.
“Para evitar não ter lugar, tenho feito a marcação muito mais cedo. Imaginemos que eu vou fazer uma viagem amanhã, no comboio que sai às 16:00. Eu faço já [a marcação] às 16:00 do dia de hoje, porque há mais espaço. Se eu esperar até às 20:00, ou às 21:00 já não há”, diz.
A jovem de 24 anos conta ainda que os comboios passaram a estar “bastante” mais cheios desde que o passe ferroviário verde foi implementado, já que teve “muita adesão”.
PASSE TAMBÉM RECEBE ELOGIOS
Junto à linha onde vai partir um comboio Regional, o 24Horas encontra João Vieira, de 26 anos, que considera que o passe ferroviário verde foi uma boa medida, já que os “valores eram muito elevados e agora estão mais acessíveis”. O estudante natural do Entroncamento costuma viajar em Regionais e InterRegionais e assume que os comboios têm agora “muito mais gente, que dantes não tinham”.
Ainda assim, reconhece que inicialmente ainda tentou viajar em Intercidades com o passe ferroviário verde, mas depressa se apercebeu que “não valia a pena” tentar reservar bilhetes para os horários do final do dia porque estavam sempre cheios. Assim, quando opta por viajar em Intercidades escolhe sempre os horários do meio da manhã onde é mais fácil garantir lugar e acaba por chegar a Lisboa “numa hora e num conforto superior” aos dos comboios de classes inferiores.
Gabriel Vaz está ao computador num dos bancos da estação de Santa Apolónia enquanto conta ao 24Horas que se mudou há 5 anos para Lisboa, quando entrou na faculdade. Desde essa altura que as viagens entre a capital do País e Aveiro, cidade natal, são constantes. Para o jovem trabalhador de 22 anos o passe ferroviário verde “foi muito bom”.
No entanto, reconhece que “às vezes há uma dificuldade em marcar de facto o lugar nas 24 horas de antecedência”. Gabriel assume que tem flexibilidade de horário e que não tem de estar obrigatoriamente em Lisboa durante a semana para trabalhar. Mas, dá como exemplo o caso do irmão que tem de trabalhar obrigatoriamente em Lisboa às segundas-feiras e que, por isso, já se viu obrigado a comprar um bilhete para o Alfa-Pendular num domingo, apesar de ter o passe válido, mas não ter lugar num Intercidades.
O jovem refere ainda que o mais complicado é viajar de Lisboa para o resto do país às sextas-feiras e regressar no domingo à capital e que já ouviu falar no aumento do número de carruagens em determinados comboios. Apesar de esta alteração ainda não se ter verificado, Gabriel assume que o passe ferroviário verde é uma “mais-valia”.
MAIS DE 310 MIL PASSES VENDIDOS
Ao 24Horas, a CP – Comboios de Portugal confirma que o passe ferroviário verde “tem levado mais passageiros a optar pelos comboios Regionais e Intercidades”, pelo que se registou desde o arranque da medida, em outubro de 2024, e até março de 2025, “um crescimento da procura na ordem dos 79% no serviço regional e dos 56% no serviço Intercidades”. Um balanço feito pela empresa ferroviária dá conta que mais de 310 mil pessoas já aderiram à medida. Desde outubro, já foram “efetuadas mais de um milhão de reservas de viagens nos comboios Intercidades”.

Questionada pelo 24Horas, a CP confirma que recebeu, nos primeiros meses de comercialização do passe ferroviário verde, “algumas reclamações relacionadas com a indisponibilidade de lugares em alguns percursos”. No entanto, a empresa garante que as queixas dos passageiros têm vindo a diminuir.
Sobre a possibilidade de aumentar o número de carruagens nos comboios, a CP garante que já o faz sempre que a procura o justifica e desde que haja “capacidade, dentro das limitações de material circulante e de recursos humanos existentes”. A empresa dá ainda conta de que a “utilização do Passe Ferroviário Verde está a ser acompanhada e monitorizada, sobretudo no serviço Intercidades, para que possam ser avaliadas possíveis medidas para mitigar quaisquer constrangimentos”.
A empresa reforça que o passe verde criado pelo Governo “vem ao encontro da missão da CP de promover a mobilidade verde e a coesão territorial”, reforçando o compromisso “com um transporte público de qualidade, económico e sustentável para todos”. A CP reforça que a medida do passe ferroviário verde “tem um impacto ambiental positivo que beneficia todo o país”.