São apelidadas pelas autoridades de novas substâncias psicoativas (NSP) mas, na verdade, não são uma novidade. Bloom, K e gorby entraram há anos na lista de drogas consumidas em Portugal. Enquanto no continente estas novas drogas chegam aos consumidores até pelo correio, na Madeira e nos Açores existe tráfico organizado destas substâncias – causando graves problemas de segurança.
Maria João Caldeira, química e especialista do Laboratório de Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária, explica ao 24Horas que “o bloom é uma designação genérica, muito usada na Madeira, para referir estas novas substâncias psicóticas, da classe das catinonas. O nome teve origem no best-seller das lojas de porta aberta, das smartshops. Em 2011, 2012 era dos produtos que mais se vendia”.
O efeito mimetiza uma mescla entre a cocaína e o ecstasy. Normalmente apresenta-se sob a forma de um pó branco e, segundo Carlos Cleto, técnico do Departamento de Intervenção na Comunidade do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências, resulta “da transformação de uma planta centro-africana de nome khat, daí estas drogas serem chamadas de catinonas sintéticas”.
O gorby, que também se vendia nas smartshops, em pacotinhos encarnados com a fotografia de Mikhail Gorbatchov, é semelhante ao bloom.
A perigosidade destas drogas para a saúde dos utilizadores levou à sua ilegalização. “Essa nova substância [bloom] passou a integrar as tabelas da lei da droga, ou seja, deixou de ser uma substância legal para ser uma substância alvo de matéria-crime”, prossegue Maria João Caldeira. Só que o fenómeno persiste. “Há um mercado vastíssimo na internet. Quando os consumidores compram via net, a droga chega por correio. Encomenda-se e recebe-se uma embalagem em casa, tal e qual como se se estivesse a comprar um vestido”, acrescenta a especialista da PJ.
Na primeira década do século era comum encontrar-se lojas de venda de drogas legais, as tais smartshops, sobretudo nas zonas boémias das grandes cidades. Em Lisboa, o Bairro Alto pulsava de animação noturna e havia várias casas do género a vender substâncias como o bloom, de porta aberta. Eram apresentados como sais de banho, incensos ou fertilizantes para plantas. Nas embalagens existia uma advertência de que os produtos não eram destinados ao consumo humano.
Em abril de 2013, após as autoridades se terem apercebido dos efeitos na saúde destes produtos, saiu um decreto-lei que proibiu a venda de 160 destas substâncias nas referidas lojas, o que levou ao encerramento dos espaços. Mas estas drogas acabaram por nunca sair do mercado e, hoje, são um fenómeno, sobretudo nas regiões autónomas. “Recebemos cerca de 100 mil pedidos, por ano, de exames policiais. A casuística, em termos globais nacionais, é entre 1 e 3%. Mas quando chegamos à região autónoma da Madeira, 46% dos nossos resultados de laboratório são dessas substâncias”, avança ao 24Horas Maria João Caldeira.
COMPORTAMENTOS INVULGARES, CRIMES E VIOLÊNCIA
As NSP são produzidas em alguns países europeus e na Ásia. Em Portugal Continental ainda não há evidência de tráfico de rua, mas nos Açores e na Madeira não só se trafica como se consome mais este tipo de substâncias. “Um dos grandes problemas destas novas drogas onde o consumo é mais problemático – nos Açores e na Madeira – é a existência de comportamentos bizarros dos consumidores. E não são só bizarros; desencadeiam episódios de criminalidade diferente e violenta, muitas vezes”, avisa a especialista.
Os canabinóides sintéticos, designados na gíria por K, representam outro problema de NSP. Entraram nas prisões impregnadas em papel e não são detetáveis a olho nu. Estas drogas foram detetadas “porque foram observados comportamentos em reclusos que as consumiam. Alguns exibiam estados paranoicos e houve outros que se sentiram efetivamente mal e precisaram de assistência hospitalar”, explica Maria João Caldeira, ao mesmo tempo que mostra uma carta que foi apreendida a um recluso, onde faltam pedaços de papel que estavam embebidos na substância ilícita.
Além de ser borrifada em papel, a K pode também ser apresentada sob a forma de “uma planta inerte que depois vai absorver esse princípio químico”, explica, por sua vez, Carlos Cleto. Esta droga não se limita aos muros das prisões. “Há muito tempo que a K circula na Europa, de forma mais ou menos legal, desde 2001. A K é equivalente à canábis, mas feita completamente em laboratório, sendo que a canábis é um produto natural e o nosso organismo tem capacidade para responder de uma forma mais orgânica. No caso da K, o organismo responde de forma mais agressiva”, explica o especialista do ICAD.
Estas drogas, que na década passada se vendiam como se fossem legais são, na realidade, bastante perigosas. “A K é análoga à canábis, mas é extremamente forte e com efeitos muito mais vincados. As NSP são menos conhecidas, assim como os seus efeitos. As pessoas eventualmente não vão estar preparadas para reagir a um efeito que não conhecem.”
Os consumidores podem enfrentar consequências sérias. “Não só [estas drogas] têm efeitos que podem não ser aqueles que as pessoas estavam à espera como, a longo prazo, não se conhece os efeitos dessas substâncias. A resposta terapêutica fica mais dificultada.” Certo é que, segundo Carlos Cleto, já existem pessoas em tratamento devido ao uso destas substâncias.
Para dar uma ideia dos efeitos desta canábis sintética, Carlos Cleto exemplifica: “Se imaginarmos o fim dos anos 90, em que era mais visível pessoas sob o efeito da heroína, lentificadas, sem capacidade para se concentrar e muito desorganizadas, o que víamos nessa altura não é muito diferente do que encontramos agora, quando observamos pessoas que consumiram doses elevadas da tal K.”
FENTANIL AINDA NÃO CHEGOU A PORTUGAL
A boa notícia é que o fentanil, que se transformou num grande problema de saúde pública nos Estados Unidos, ainda não chegou a Portugal. “Não temos conhecimento que esteja a entrar na sociedade portuguesa, mas vale a pena pensarmos o que é o fentanil”, avança Carlos Cleto. “O fentanil é da família da heroína, mas com uma concentração enormíssima em comparação com a heroína. Doses mais pequenas fazem efeitos muito maiores do que a heroína e, além disso, tem a capacidade de provocar grande e rápida dependência”, observa o técnico do ICAD.
Cláudio Leal, também especialista do LPC da PJ, confirma a preocupação com o fentanil a nível mundial, mas ressalva, igualmente, que “não é um problema em Portugal. A nossa casuísta é muito baixa, quase inexistente nessa matéria”. A colega, Maria João Caldeira, recorda um caso singular e antigo. “Aqui, em Portugal, tivemos um laboratório de síntese caseira de fentanil há mais de 20 anos, é quase um caso isolado.” A química lembra-se, também, de uma apreensão de um “derivado de fentanil, na Madeira, há nove anos, que também foi um caso isolado”.
Apesar de tudo, a Polícia Judiciária está atenta. “Atualmente, a classe do fentanil está a ser substituída nas novas drogas por outra classe, também igualmente tóxica, que são os nitazenos”, observa Maria João Caldeira. “Na nossa casuística tivemos apenas um caso. Curiosamente, foi a primeira vez que se detetou esse derivado de nitazeno no espaço europeu.” A especialista explica o que é o nitazeno: “É outra classe de opóides sintéticos. Basicamente, imitam a heroína, mas trata-se de uma sustância muito mais potente.”
Para garantir a continuidade destes produtos no mercado, e ir escapando às autoridades, os traficantes vão modificando pequenas partes das moléculas destas substâncias. Químicos experientes fazem esse trabalho para as organizações criminosas. “Tem-se verificado que algumas organizações criminais substituem o seu negócio das drogas ilícitas por estas drogas porque são altamente rentáveis e correm menos riscos do ponto de vista legal. Isto porque das primeiras vezes que começam a circular [antes de apreensões e análises] ainda não estão na tabela das drogas”, explica Maria João Caldeira.
O perigo está também nos preços. As NSP são muito mais baratas. “Um grama de cocaína nos Açores e na Madeira chega a custar entre 80 e 100 euros. As doses de cocaína sintética são vendidas a dois euros e meio”, descreve a especialista da PJ. E sumariza: “Em Portugal não é tão comum como noutros países, mas há consumidores que só gostam destas drogas. Na internet há vários fóruns onde se discutem as experiências que cada um tem e o que se pode vivenciar com estas novas substâncias.”