O 25 de Abril o ponto zero da democracia portuguesa – “o dia inicial inteiro e limpo”, na feliz expressão de...
O 25 de Abril o ponto zero da democracia portuguesa – “o dia inicial inteiro e limpo”, na feliz expressão de Sophia de Mello Breyner.
Foi o dia em que a sociedade respirou depois de meio século de asfixia, o dia em que a censura caiu, em que a polícia política se desarmou e em que o país recuperou a possibilidade de escolher o seu destino. Foi também o momento em que Portugal se libertou de um colonialismo esgotado e moralmente insustentável, abrindo caminho à integração europeia, ao desenvolvimento económico e a uma ideia de cidadania que não dependia de medo, de perseguições ou de silêncios forçados. Abril não é apenas uma data: é uma fronteira moral. E por isso deve ser celebrado sempre, sem complexos e sem donos.
Mas o caminho entre Abril e a estabilização democrática esteve longe de ser linear. Entre 1974 e 1975, o país foi atravessado por confrontos ideológicos intensos, disputas partidárias e uma luta aberta sobre que tipo de regime deveria emergir da queda da ditadura. A esquerda revolucionária queria uma transformação profunda, muitas vezes sem grande apreço pelas regras democráticas; setores da direita sonhavam com um travão brusco ao processo. O risco de uma guerra civil não era um exagero, era uma sombra real no quotidiano dos portugueses.
O episódio mais perigoso ocorreu no cerco à Assembleia Constituinte, em novembro de 1975, uma tentativa clara de impedir que o país tivesse uma Constituição democrática e de contrariar o verdadeiro propósito do 25 de Abril: devolver o poder ao povo. A ameaça foi derrotada graças à intervenção dos militares democráticos de Abril e ao apoio dos partidos que se comprometeram com a liberdade, especialmente PS e PSD. Daí nasceu o 25 de Novembro, não como negação de Abril, mas como o momento em que Portugal escolheu, definitivamente, ser uma democracia pluralista.
O 25 de Novembro consolidou os valores de Abril, afastou aventuras autoritárias e permitiu que o país entrasse numa trajetória estável. Sem esse dia, o 25 de Abril poderia ter sido capturado por extremismos ou reduzido a uma ficção conveniente. Por isso ambos os dias são pilares da mesma casa: Abril abriu a porta, Novembro garantiu que a porta não voltava a fechar.
Hoje, multiplicam-se tentativas de apropriação política destas datas, (com a esquerda a querer protagonizar o 25 de Abril e a direita a querer apoderar-se do 25 de Novembro) enquanto o PS, apesar do papel decisivo que teve nas duas fases do processo, hesita em reivindicar essa herança. Mas essa disputa é tão estéril quanto perigosa: Abril e Novembro pertencem aos democratas, não às etiquetas partidárias. Celebrar o 25 de Novembro não diminui Abril; reforça-o. E celebrar Abril não apaga Novembro; completa-o.
Em suma: Viva o 25 de Abril, sempre. Viva o 25 de Novembro, porque garantiu que Abril não seria uma lembrança, mas um destino.