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Jorge Morais

Comboio descendente, dez da manhã. Na primeira estação, a carruagem leva já dez pessoas – e sete vão grudadas a...

Comboio descendente, dez da manhã. Na primeira estação, a carruagem leva já dez pessoas – e sete vão grudadas a pequenos objetos pretos, de forma retangular e espessura reduzida. 

Olham os objetos com visível zelo, nada as distrai um segundo. De quando em vez, os polegares entram em frenesi e dançam sobre os estranhos objetos. Há mesmo quem fale para eles, como se houvesse pessoas ali dentro da caixinha a contar o que vão fazer para o almoço. 

Segunda estação: a carruagem vai já com vinte pessoas – e dezasseis estão presas aos seus objetos retangulares. Terceira estação, quarta, nona, décima: perco a conta ao aluvião de objetos que entram e me cercam. E ao chegarmos à estação terminal é uma multidão de objetos retangulares que desagua na cidade, onde uma multidão ainda maior encosta os objetos à orelha ou os dedilha com os polegares em frenesi. 

Não, não é um pesadelo hitchcockiano de segunda-feira: é o bom povo agarrado ao telemóvel.

*

Pergunto-me muitas vezes o que haverá de tão importante para comunicarmos pelo telefone, tantas vezes, durante tanto tempo. Mistério. O melhor é pegar no telemóvel e ligar a alguém que me esclareça.

Declaro aqui à puridade que não partilho os terrores da velha guarda sobre as novas tecnologias – as que nos trouxeram até aqui, as que hoje usamos ou aquelas que a indústria continuará a derramar sobre o estimável público. São apenas instrumentos que usamos pela sua utilidade, como a enxada, a chave de parafusos, a caneta de tinta permanente, o saca-rolhas, a telefonia a pilhas, a bicicleta a pedal ou o avião do Gago Coutinho. O que importa não é o objeto em si: é o que fazemos com ele. 

De resto, as maravilhas da técnica de um dia podem existir em simultâneo com as maravilhas da técnica do dia anterior. E existem: já me aconteceu atender uma chamada de iphone à lareira de uma casa sem eletricidade. A cada coisa sua função. E não é por haver carros elétricos que deixámos de andar a pé.

Dito isto, declaro aqui à puridade que partilho algumas das preocupações da velha guarda sobre o uso que se dá às novas tecnologias. Se a telefonia a pilhas foi sem dúvida uma etapa gloriosa na história da comunicação sem fios, que diríamos de alguém que não pudesse passar sem ter o ouvido colado ao aparelho, as 24 horas do dia, ouvindo notícias, anúncios, cançonetas e relatos de futebol sem um minuto de descanso? Que é doidinho da cabeça, está claro.

O problema do telemóvel, nos nossos dias, não é o uso: é a dependência absoluta. Dependência que começa na tenra idade e já se comunica aos mais velhos. É a incapacidade de existirmos sem o telemóvel – e isto mesmo confirmámos no recente “apagão”. Porque no telefone móvel encontramos, aparentemente, todas as funções que buscamos no dia a dia: falar, ouvir, presenciar, marcar e desmarcar, escrever e fazer contas, até pagar e receber. Foi desta multiplicidade útil que ficámos cativos. E ao fim de dez anos, no comboio descendente, ainda não encontrámos a moderação, o meio termo e o bom senso.

Talvez ajude concluirmos que há uma função que não está à distância de uma tecla do telemóvel: pensar.