Chegam-me notícias, pelos canais habituais, de que o nosso rectângulo à beira-mar plantado já não é bem nosso. A posse...
Chegam-me notícias, pelos canais habituais, de que o nosso rectângulo à beira-mar plantado já não é bem nosso. A posse efectiva, aquela que se exerce com o pé na areia e o chapéu de sol espetado, parece agora um desígnio reservado a uma nova casta de ilustres veraneantes. Depois dos estrangeiros ricos, famosos, e actores de cinema ocuparem a Costa Vicentina e criarem praias privadas, chegou a vez de novos personagens mundialmente conhecidos adquirirem vistos Gold para roubarem areal a banhistas e pescadores lusitanos, em troca de uns tostões para as empresas de políticos e empresários. A coisa, que começou como um murmúrio nos corredores do poder, é agora uma fanfarra desafinada que ninguém se dá ao trabalho de calar.
O frenesim imobiliário atingiu o paroxismo do delírio. A peonada anónima que ainda sonhava com uma toalha estendida ao sol depara-se, agora, com uma concorrência que transcende a lógica e entra de rompante no universo da fantasia. O 24horas sabe que o Pato Donald e Homer Simpson já compraram a Areia Branca à senhora do JNCQuoi e que Mickey está a caminho de Melides. Não vem para passar férias, entenda-se. O rato viu aprovado o seu projecto de hotel canino, com fundos do PRR, que vai ser dirigido por Pluto. É um mundo cão, como se costuma dizer, mas com o último financiamento comunitário e a bênção das altas esferas, que vêem nestes investimentos uma oportunidade de ouro. Para quem, é a pergunta que fica a pairar no ar como uma gaivota desorientada que voava, voava…
E quando pensávamos que a quimera tinha atingido o seu apogeu, eis que o interior, essa vasta e esquecida porção do mapa, entram também no jogo Sherlock Holmes e Poirot: estão a ser apoiados na sua exploração agrícola no Redondo e em Ferreira do Alentejo. Com o beneplácito do Ministério da Agricultura, dedicam-se ao cultivo de plantas que «não convém especificar». O primeiro colhe indícios, o segundo rega provas. Dizem que a erva cresce ao som de discursos políticos locais — a planta floresce, o eleitorado dorme, com aval do Ministério.
Holmes, contudo, está magoado: o Estado ainda não lhe pagou a casa de primeira (habitação) em Baker Street, no Alandroal. Avançou com queixa em Bruxelas, apontando o dedo ao primeiro-ministro Joker, como lhe chama, dizendo-o “um homem de sorriso permanente e ética descartável”.
Um detective inglês, com morada fiscal no Alandroal, a processar o nosso timoneiro em instâncias europeias por causa de um subsídio de habitação. É o enredo confrangedor perfeito para o que dizemos aos costumes.
E, assim, o país vai-se vendendo à fantasia. Talvez um dia o Zé Povinho compre um bilhete de entrada e descubra que vive num parque temático. Com sorte, ainda o deixam ser figurante num filme de John Holmes na Cinecittà de Freamunde.