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  • 'Embaraço-me porque votei AD', Ribeiro e Castro
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João Vasco Almeida

Convém recordar, para evitar equívocos, que a democracia não se funda em eleições, sufrágio ou representação: funda-se, sobretudo, na correcta...

Convém recordar, para evitar equívocos, que a democracia não se funda em eleições, sufrágio ou representação: funda-se, sobretudo, na correcta administração do beijo. Isabel Moreira, (PS) levou com um atiranço nojento de Filipe Melo (CH), num aparte ordinário, durante uma discussão qualquer no Parlamento. Ui, caldo entornado!

Porque eis que surge, em pleno hemiciclo, a mais temida ameaça à República desde que José Agostinho de Macedo provou que a melancolia era uma doença transmissível: um beijo mal colocado, um encosto de lábios degenerado em atentado. Nada de mais natural, dir-se-ia, não fosse a deputada Isabel Moreira ter transformado o gesto num tratado jurídico sobre a ontologia da saliva pública.

A senhora levantou-se, altiva, como se recitasse o Corpus Iuris Civilis, e declarou que um beijaço impuro podia pôr em risco não somente a sua dignidade, mas a própria Constituição — aquela mesma que sobreviveu a revisões, golpes e orçamentos rectificativos. Aqui, o absurdo irrompe: se a democracia cabe num beijo, não estaremos já na orla da botânica? (Pense-se: a Mimosa pudica, que ao toque se fecha como Isabel ao beijo.)

Depois, a palavra mágica: acusou o mundo inteiro de gozar com pessoas “racializadas”. O termo cai no debate como um meteorito de basalto queimadaço. Quem são? Ora, os não lisinhos, os não normativos, os ‘pula’, os não incluídos na cartilha invisível do branco europeu de calendário. Acontece que, sem querer, Isabel descreve com perfeição a quimera dos antropólogos lombrosianos que mediam crânios para provar teses, e que acabavam sempre por encontrar monstros nos espelhos. E, assim, incorpora como “normais” os hitlerianos arianos e, ao lado, “os outros”. Que bem, clap, clap, clap!

E enquanto ela denuncia o beijo como se fosse telegrama do III Reich, os deputados agitam papéis e fazem de conta que assistem a uma tragédia grega. Mas não: isto é opereta, daquelas em que o maestro Aguiar-Branco tropeça e a orquestra insiste em tocar.

Neste instante, o leitor julga perceber: trata-se de machismo, ou de moralismo, ou de arte da representação artística parlamentar. Talvez. Mas talvez seja apenas o sintoma de uma época em que o gesto banal precisa de se vestir de cruzada, porque só assim gera ‘gostos’, indignação e ‘trending topic’.

O pior não é o beijo: é o eco. A cada repetição, a cena cresce como cogumelo venenoso — e nós, espectadores, já não distinguimos se estamos diante de um crime de lesa-democracia ou de um ensaio de commedia dell’arte.

No fim, sobra a pergunta: se um beijo é capaz de abalar o regime, que fará um abraço? Talvez dissolver a Assembleia.

E é por isso que convém desconfiar: às vezes, a melhor forma de matar uma democracia é transformá-la em novela turca, dobrada em castelhano: barata e sem destino.