Era uma vez três freirinhas – Rita, Regina e Bernadette – já entradotas nos oitenta, que gozavam tranquilamente a sua...
Era uma vez três freirinhas – Rita, Regina e Bernadette – já entradotas nos oitenta, que gozavam tranquilamente a sua reforma no Convento-Escola de Goldstein, paróquia de Elsbethen, distrito de Salzburgo, onde toda a vida tinham sido professoras e professas. Olhando agora para o retrato das três manas, figuras de jovialidade nos seus hábitos austeros, parece-me ver ali as Irmãs Berthe, Sophia e Margaretta, as monjas do Mosteiro beneditino de Nonnberg, na mesma Salzburgo onde a noviça Maria se preparava para tomar votos quando se apaixonou pelo capitão Von Trapp. Conhecem o enredo.
Ora, esta história também traz música ao meu coração.
Em 2023, fazendo frias contas de excel, um mangas-de-alpaca da Arquidiocese de Salzburgo decidiu acabar com a ala monacal de Goldstein (embora mantendo a escola, que é negócio guloso) e espetou com as freiras, muito contra a sua vontade, num “lar” para idosos onde pelos vistos saíam mais baratas.
Mas as três manas não se conformaram. Um belo dia, Setembro deste ano, com a ajuda de um grupo fiel de antigos alunos, evadiram-se do “lar” e, contra as ordens da hierarquia, regressaram à sua verdadeira casa, o mosteiro da paróquia de Elsbethen. Chamaram um serralheiro para destrancar as portas e reinstalaram-se nas suas antigas celas. Era tarde para os burocratas da Arquidiocese de Salzburgo – confrontados com o facto consumado (e com o furor que alastrava já nas redes sociais, com cem mil seguidores), não tiveram outro remédio: as Irmãs Rita, Regina e Bernadette estão finalmente autorizadas a terminar tranquilamente os seus dias no mosteiro, com um vasto grupo de amigos a garantirem alimentação, aquecimento de Inverno e assistência médica por todo o tempo de vida que os céus lhes concedam.
Das janelinhas das suas celas podem agora voltar a contemplar as montanhas de Salzburgo onde a noviça Maria de Música no Coração descobriu a sua alma livre, correndo e cantando pelas verdes colinas. Numa reminiscência inescapável, a Irmã Bernadette comentou há dias: “Antes de morrer naquele lar de idosos, prefiro ir para um prado e entrar na eternidade dessa forma”.
Abençoadas manas. Tiveram a vontade e a possibilidade de fazer o que muitas pessoas fariam – se para tanto tivessem posses e forças: fugir dos “lares” onde hoje se despejam os velhos e descer a colina da vida com a dignidade última do ser humano.