Num dos seus habituais truques de prestidigitação comunicacional, André Ventura afirmou que, perante a situação política, económica e social, o...
Num dos seus habituais truques de prestidigitação comunicacional, André Ventura afirmou que, perante a situação política, económica e social, o país precisaria de três Salazares para recuperar. Bastou isto para que a “indústria do comentariado” encontrasse a agenda perfeita e passasse dias a dissecar o profundo “pensamento” do político.
De repente, desapareceram os problemas nos serviços públicos e a narrativa dos partos fora dos hospitais. Tudo foi substituído pela interpretação deste soundbite, que para o Chega — e sobretudo para o seu líder — foi ouro puro: multiplicou convites televisivos e garantiu atenção pública sem grande esforço.
Agora resta esperar pelo próximo truque, que surgirá quando menos se esperar e sobre o tema mais insuspeito. Ventura sabe bem o alcance do desejo que manifestou, mas como não era para levar a sério, achou dispensável desenvolvê-lo depois de garantir o efeito pretendido.
Enquanto cidadão, funcionário público e político com passado no PSD, todos lhe reconhecem capacidade intelectual para saber o que diz. Só que esse nunca foi o seu objectivo. Criar realidades paralelas, estabelecer factos alternativos e explorar percepções primárias através da mentira e da desinformação é o seu método — e enquanto houver retorno eleitoral, não mudará.
Mas pode haver algum mérito na provocação se ela nos levar a revisitar os salazares e o salazarismo. E nada melhor do que recorrer ao pensamento de Fernando Pessoa, interpretado por Manuel S. Fonseca na obra ‘Que Salazar era o Salazar de Fernando Pessoa?’
Na mesma figura, terão convivido três personalidades: o Salazar financeiro, que Pessoa admira pela competência e porque soube estender a mão a opositores; o Salazar estadista, que inspira muitas reservas dada a acumulação de poderes; e o Salazar autoritário, que fundou e consolidou uma ditadura de décadas.
Não sendo provável que Ventura espere 48 anos para se “realizar” com os três salazares com que sonha, terá de escolher um. Talvez na próxima ronda televisiva alguém da tal indústria do comentariado o convença a fixar-se numa opção.
Todos ficaríamos a ganhar!