Há momentos decisivos na História que passam quase despercebidos. Parecem apenas mais um virar de página, mas com o tempo...
Há momentos decisivos na História que passam quase despercebidos. Parecem apenas mais um virar de página, mas com o tempo percebemos que eram, na verdade, um iniciar de um novo capítulo. Vejamos o exemplo da entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001. Na altura, poucos adivinhavam que aquele passo viria a transformar o país na maior fábrica do mundo. Só anos depois conseguimos compreender o verdadeiro impacto.
Acredito que vivemos agora um desses episódios. Uma espécie de “turning point” que, apesar de não ter passado propriamente em branco, só daqui a uns anos vamos conseguir avaliar o verdadeiro efeito borboleta. Bruxelas, depois de anos a legislar primeiro e a inovar depois, parece finalmente ter invertido a lógica. As advertências de Mario Draghi, feitas há mais de um ano, começam a produzir frutos. Ao que parece, a Europa percebeu que é necessária alguma proatividade no investimento tecnológico.
Quando o AI Act entrou em vigor, a sensação geral foi de que tinha uma lógica de travar primeiro e acelerar depois. Não obstante a legislação ser de extrema importância por proteger direitos e interesses legítimos, acabou por simbolizar uma espécie de obsessão regulatória que nos caracteriza. Um pouco como as infames tampas presas à garrafa de plástico: partem de uma boa intenção, mas teimam em funcionar como uma armadilha acrobática, do tipo boomerang, contra quem só queria dar um primeiro gole. O mundo digital europeu tem sofrido do mesmo mal.
Porém, agora no início de outubro, a Comissão Europeia anunciou um investimento de pouco mais de mil milhões de euros para impulsionar a utilização de Inteligência Artificial na indústria (Apply AI Strategy de 7 de outubro de 2025). O gesto é positivo e serve de primeiro passo numa corrida em que já estamos atrás. O problema? A escala. Apesar de o plano europeu não ficar por aqui, basta olhar para os números. Como noticiado pelo Fortune a 7 de outubro de 2025, no artigo “Without data centers, GDP growth was 0.1% in the first half of 2025, Harvard economist says”, de acordo com Lisa Shallet, chief investment officer da Morgan Stanley Wealth Management, o investimento das tech americanas em infraestruturas de IA ronda já os 400 mil milhões de dólares por ano. Face a isso, os planos europeus parecem… simbólicos. Convém também ter em conta o potencial de crescimento que temos pela frente. A título de exemplo, segundo Jason Furman, economista de Harvard, citado no mesmo artigo, se não fosse o crescimento impulsionado pelo “investimento em centros de dados e tecnologia de processamento de informação”, os Estados Unidos teriam crescido apenas 0,1% no primeiro semestre de 2025.
Como já vimos, partimos de trás, mas ainda assim, é um início. Não se fazem corridas sem dar um primeiro passo. Precisamos só de acelerar. Porque o que está em causa não é apenas o crescimento económico. É, sim, a capacidade de a Europa continuar a poder escrever as suas próprias regras no futuro.