Lembro-me bem de quando, há uns cinquenta anos, entrei pela primeira vez naquilo que hoje é a Assembleia da República,...
Lembro-me bem de quando, há uns cinquenta anos, entrei pela primeira vez naquilo que hoje é a Assembleia da República, na altura ainda e só Constituinte. Devia ter uns 14 ou 15 anos, e sei que a palavra que melhor pode definir o que o miúdo que então eu era sentiu, não pode ser outro senão ‘fascínio’, tal o encanto e até o algum deslumbre que todo aquele ambiente me provocou.
Pertenço a uma geração em que – espantem-se os mais novos – muitos de nós chegavam, à falta de outro entretenimento, a escolher as sessões parlamentares para passar as tardes lá em cima nas galerias, encantados que estávamos com o exercício da política, com a possibilidade de ver e ouvir de perto grandes tribunos que então marcavam aqueles tempos. Era assim como uma arte, era quase como ir ao cinema – ali aprendia-se, crescia-se, de alguma maneira sentia-se o país.
A par do forte cunho litúrgico que então a Assembleia possuía, os parlamentares que então a formavam, eram na sua generalidade homens de mão cheia, muitos deles gente de primeira qualidade, dos que tinham ‘mundo’, vida, critério, propósito, mas fundamentalmente que possuíam uma forma de estar na sociedade que prestigiava a política.
Durante anos passei ali horas a fio, noitadas até, algumas delas enquanto jornalista que fui, outras – muitas – como simples ‘voyeur’, apenas pelo único e exclusivo prazer de observar de perto grandes parlamentares e oradores de exceção, verdadeiros príncipes da política. Sem preocupações ideológicas ou partidárias, lembro-me ao longo desses anos, talvez até meados da década de 90, de nomes como, por exemplo, Adelino Amaro da Costa, Francisco Lucas Pires, António Almeida Santos, Carlos Brito, Francisco Salgado Zenha, Silva Marques, José Luís Nunes, entre tantos outros.
Há dias, por razões que não vêm para o caso, tive de voltar à Assembleia da República. Talvez há mais de 20 anos que não pisava os Passos Perdidos e todos aqueles corredores que envolvem a sala do plenário. E se há uns 50 anos, foi o fascínio que marcou a minha ‘primeira vez’ naquele edifício, desta feita, chegado lá acima, bastou abrir a porta do elevador, para sentir um prolongado e desagradável bafo de angústia…