Os números contam sempre a verdade que nos convém — basta saber torturá-los. Por isso não surpreende que, após as...
Os números contam sempre a verdade que nos convém — basta saber torturá-los. Por isso não surpreende que, após as eleições de domingo, todos os partidos se tenham declarado vencedores. Todos, menos o PCP, que lá admitiu que o resultado ficou aquém.
Mais inesperada foi a euforia do secretário-geral socialista que, antes de apurados os votos, proclamou o “regresso do PS” Ironias à parte, a realidade é simples: o PSD ganhou, o PS perdeu. Ganhou porque cumpriu todos os objectivos — mais câmaras, mais assembleias, mais votos — e consolidou o poder do centro alargando-o às autarquias. O simbolismo da conquista da Associação Nacional de Municípios e da ANAFRE fala por si.
O PS perdeu porque não travou o declínio e continua refém de ilusões e discursos de vitória moral. Persistem sectores incapazes de sair do estado de negação e raiva, enquanto se preparam novos assaltos internos. Não serão tempos fáceis e as presidenciais poderão agravar a crise.
Mesmo assim, em vez de se procurarem responsáveis, celebram-se pseudo-vitórias. Mas às vezes é preciso olhar também para as árvores: a queda de Fernando Ruas é um caso a estudar, mas mais significativa é a vitória do socialista Ricardo Leão em Loures.
Há um ano, Leão fora vítima de um “assassinato político” dentro do PS, forçado a abandonar a liderança da Federação de Lisboa após um artigo humilhante assinado, entre outros, por António Costa, então presidente do Conselho Europeu. Apesar disso, o partido não ousou afastá-lo — temendo perder mais uma câmara.
Candidatou-se, ganhou, e respondeu a Costa com um desejo sob a firma de uma frase cortante: que se entretivesse em Bruxelas e ficasse longe do país “onde não faz falta”. Uma vingança fria e saborosa, servida com precisão cirúrgica.
Talvez para memória futura.
Manuel dos Santos é antigo vice-presidente do Parlamento Europeu